19/09/2025
A Judicialização da Dignidade Humana
É de conhecimento público que a Constituição Federal Brasileira estabelece em seu artigo 1º, inciso III, que o Estado Democrático de Direito deve ter como um de seus pilares o respeito ao princípio da dignidade humana.
Laércio Dias de Moura citado por Luiz Alberto David Araujo e Vidal Serrano Nunes Júnior aborda a definição do princípio da dignidade humana sustentando que “ cada ser humano tem, pois, um lugar na sociedade humana. Um lugar que lhe é garantido pelo direito, que é a força organizadora da sociedade. Como sujeito de direitos ele não pode ser excluído da sociedade e como sujeito de obrigações ele não pode prescindir de sua pertinência à sociedade, na qual é chamado a exercer um papel positivo.) ( ARAUJO, Luiz Alberto David et al. Curso de Direito Constitucional. Editor Saraiva. 8ª edição, revista e atualizada. Ano 2004. Página 79.).
Para o Ministro Alexandre de Moraes o princípio da dignidade humana “ é um valor espiritual e moral inerente à pessoa, que se manifesta singularmente na autodeterminação consciente e responsável da própria vida e que traz consigo a pretensão ao respeito por parte das demais pessoas, constituindo-se um mínimo invulnerável que todo estatuto jurídico deve assegurar…” ( MORAES, Alexandre. Direito Constitucional. 7ª edição, revista e atualizada. Ano 2000. Página 48).
Em síntese, podemos sustentar que o princípio da dignidade traz consigo o dever de todos serem respeitados em sociedade como sujeitos de direitos, assegurando uma existência mínima inegociável, sendo dever do Estado e da sociedade a obediência a tal dispositivo basilar da Carta Magna.
Ocorre que muitas vezes tal princípio constitucional não é observado pelos integrantes da sociedade e pelo próprio Estado, em especial os Poderes Legislativo e Executivo, sendo necessária a intervenção do Poder Judiciário,( o qual só pode decidir mediante provocação), para assegura condições mínimas de dignidade a certos grupos de pessoas denominados minorias, historicamente excluídos como sujeitos de direitos, por sua orientação sexual ou identidade de gênero.
Oportuno o momento para trazermos à baila os ensinamentos trazidos no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade Por Omissão nº 26 do Distrito Federal, que dispõe : “...Os integrantes do grupo LGBTI+, como qualquer outra pessoa, nascem iguais em dignidade e direitos e possuem igual capacidade de autodeterminação quanto às suas escolhas pessoais em matéria afetiva e amorosa, especialmente no que concerne à sua vivência homoerótica…Ninguém, sob a égide de uma ordem democrática justa, pode ser privado de seus direitos (entre os quais o direito à busca da felicidade e o direito à igualdade de tratamento que a Constituição e as leis da República dispensam às pessoas em geral) ou sofrer qualquer restrição em sua esfera jurídica em razão de sua orientação sexual ou de sua identidade de gênero!...Garantir aos integrantes do grupo LGBTI+ a posse da cidadania plena e o integral respeito tanto à sua condição quanto às suas escolhas pessoais pode significar, nestes tempos em que as liberdades fundamentais das pessoas sofrem ataques por parte de mentes sombrias e retrógradas, a diferença essencial entre civilização e barbárie…” ( STF. ADIN nº 26/DF. Rel. Min. Celso de Mello. Data do Julgamento 13/06/2019).
Falando em barbárie, não podemos deixar de mencionar que no ano de 2024 foram assassinados 122 travestis e pessoas transexuais, sendo este um dos motivos que levou o Ministério dos Direitos Humanos a anunciar no dia 27/01/2025 uma agenda de enfrentamento à violência contra pessoas LGBTQIA+. (Disponível em:https://www.gov.br/mdh/pt-br/assuntos/noticias/2025/janeiro/direitos-humanos-anuncia-agenda-de-enfrentamento-a-violencia-contra-pessoas-lgbtqia).
A judicialização da dignidade humana é uma realidade brasileira, vários temas foram decididos sobre temas que sequer precisariam ser decididos se houvesse por parte da sociedade e do Estado a observância atenta a tal princípio. Foram temas de decisões judiciais, dentre outros:
1-Direito fundamental da pessoa transgênero efetuar a alteração de seu prenome e classificação de gênero no registro civil, independente da realização de cirurgia de transgenitalização ( REsp 1860649/SP, RESp 1561933/RJ, REsp 1626739/RS, REsp 1539583/DF);
2- Possibilidade de inscrição de pessoa homossexual em cadastro de interessados em adoção (REsp1525714/PR e REsp 1540814/PR);
3-Direito da pessoa que vivia em união homoafetiva receber pensão por morte (AgInt no AREsp 1300881/SC, REsp 1300539/RS, REsp 932653/RS, REsp 1026981/RJ e AREsp 687463);
4- Aplicabilidade das medidas protetivas previstas na Lei Maria da Penha aos transexuais, transgêneros, cisgêneros e travestis em situação de violência doméstica, afastando o aspecto meramente biológico (REsp 1977124/SP);
5-Equiparação ao crime de racismo a homofobia e transfobia (CC191970/RS, CC 204372/SE, CC204345/SP, ADIN 26/DF);
6- Dever do Poder Judiciário indagar à pessoa transgênero acerca de preferência pela custódia em unidade feminina, masculina ou específica, se houver, e , na unidade escolhida, acerca da preferÊncia pela detenção no convívio geral ou em alas em celas específicas (HC 861817/SC);
7-Reconhecimento da união homoafetiva como entidade familiar (ADI n 4277/DF, ADPF 132/RJ).
Vê-se que constantemente o Poder Judiciário é provocado para decidir sobre temas relevantes a dignidade humana, para que o cidadão possa ter respeitado direitos básicos os quais sequer deveriam ser violados.
Muito ainda há que ser feito, principalmente no campo educacional para que a dignidade humana seja respeitada e não só com imposição judicial, mas algo que deve ser observado de forma natural, sem nenhum esforça hercúleo.
E por falar em campo educacional, merece destaque a necessidade de melhora na capacitação dos profissionais da área da saúde, para que possam oferecer atendimento humanizado a população.
Em matéria confeccionada por Francisco Avelino Conte,divulgada no site do Jornal da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, em 26 de junho de 2025, é possível constatar que os profissionais da área da saúde possuem carência educacional no que se refere ao atendimento digno de homens trans e transmasculinos. (https://www.ufrgs.br/jornal/homens-trans-enfrentam-estigmas-em-consultas-ginecologicas/ ).
Conclusão, ainda que o princípio da dignidade humana seja objeto de demandas judiciais constantes, o trabalho educacional poderá gerar base sólida em um futuro não muito distante, evitando que pessoas sejam excluídas socialmente por sentirem dores físicas e na alma, muitas vezes chegando ao ponto de ceifar a própria vida pelo fato de serem vítimas de pensamentos preconceituosos.
Sobre o Autor: Daniel Aparecido Coregio – Advogado. Professor Universitário. Membro do Conselho Municipal do Meio Ambiente do Município de Serra Negra. Ex- Presidente da Comissão de Ética da OAB-SP da Subsecção de Serra Negra. Pós-graduado em Processo Civil, Ciências Penais, Direito Ambiental e Direito Médico da Saúde. Contato:danielcoregio@adv.oabsp.org.br
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